No início de 2023, Benjamin Miller (nome fictício) estava no auge da sua carreira como redator. À frente de uma equipe de mais de 60 profissionais, ele supervisionava a criação de conteúdos para uma empresa de tecnologia e de dados, abrangendo desde informações sobre imóveis até veículos usados. Para Miller, o trabalho era uma oportunidade de expressar sua criatividade e colaborar com especialistas em diversas áreas.
No entanto, sua trajetória começou a mudar drasticamente quando a empresa anunciou um novo projeto: a implementação da inteligência artificial para cortar custos. Por questões de confidencialidade, Miller pediu à BBC que não revelasse sua identidade ou o nome da empresa.
Com a nova abordagem, um sistema automatizado foi introduzido. O gerente de Miller inseria o título dos artigos em um formulário online, e a IA gerava esboços baseados nesses títulos. Miller e sua equipe então utilizavam esses esboços para criar os artigos finais, com Miller fazendo a edição final antes da publicação. Após alguns meses, a empresa decidiu avançar para uma segunda fase da automação, substituindo grande parte da equipe por ChatGPT, que começou a redigir os artigos completos. A maioria dos colaboradores foi dispensada, e os remanescentes se encarregaram de ajustar o texto gerado pela IA para que parecesse mais humano.
Em 2024, a situação se agravou para Miller, que viu seu departamento ser reduzido a ele mesmo. Sua rotina agora envolvia corrigir erros estereotipados e melhorar a fluidez dos textos gerados pela IA, uma tarefa que ele considerava extremamente repetitiva. “Eu estava essencialmente limpando a bagunça deixada pelos algoritmos, cortando a linguagem estranha e ajustando o tom”, relata Miller. A experiência fez com que ele se sentisse como se fosse ele próprio uma máquina, realizando tarefas repetitivas sem fim.
A história de Miller ilustra uma tendência crescente na indústria: a substituição de trabalho humano por IA. Em diversos setores, a inteligência artificial está assumindo tarefas antes realizadas por pessoas, frequentemente a um custo menor. No entanto, o uso de IA também revela uma necessidade inesperada de uma intervenção humana para tornar o conteúdo gerado mais palatável e autêntico.
Enquanto alguns profissionais enfrentam dificuldades devido a essas mudanças, outros estão encontrando novas formas de colaborar com a tecnologia. Catrina Cowart, uma redatora de marketing, descreve seu trabalho de edição de textos gerados por IA como um processo que, apesar de trabalhoso e mal remunerado, é necessário para garantir a qualidade do conteúdo. Ela critica a prática de ajustar textos para que não pareçam gerados por IA e lamenta a falta de compensação adequada.
Por outro lado, Rebecca Dugas, uma redatora com nove anos de experiência, vê a IA como uma ferramenta que pode aumentar a eficiência e qualidade do trabalho. Ela admite que, embora o uso da IA seja controverso, pode oferecer uma vantagem competitiva se usada corretamente. Dugas destaca que, mesmo com a crescente presença da IA, sempre haverá demanda por redatores experientes que compreendam profundamente o marketing e a criação de conteúdo.
O impacto da IA no mercado de trabalho continua a se desenrolar, levantando questões sobre a substituição de empregos e a necessidade de adaptação das habilidades profissionais. Alguns especialistas acreditam que a IA pode transformar o mercado de trabalho, enquanto outros esperam uma colaboração mais harmoniosa entre humanos e máquinas.
A experiência de Miller, que agora trabalha para uma empresa que desenvolve software para tornar a IA menos detectável, mostra uma ironia peculiar: ele está ajudando a tecnologia que um dia ameaçou seu próprio emprego. O executivo-chefe de tecnologia da Undetectable AI, Bars Juhasz, acredita que a sociedade se adaptará a essas mudanças, assim como ocorreu com inovações anteriores.
Miller, por sua vez, não se orgulha do papel que desempenhou na disseminação de conteúdo gerado por IA. Para ele, a contribuição para o “lixo” que saturou a internet é uma mancha em sua carreira. Ele teme que os artigos que editou sejam eventualmente removidos, como se nunca tivessem existido.